sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Artigo - Psicologia e a elaboração do luto


    Diante da morte de um ente querido a dor e o sofrimento psíquico se mostram indescritíveis e imensuráveis. Geralmente, as pessoas não estão preparadas para lidar com a finitude da vida e com o consequente rompimento de um vínculo afetivo, o que torna a elaboração da perda mais árdua. Tido como um conjunto de reações diante de uma perda, o luto pode ser concebido como “a fase da expressão dos sentimentos decorrentes da perda [...], de aprender que a morte deve ser tornada real” (OLIVEIRA e LOPES, 2008, p. 218).         
    
    A forma de compreender a morte varia conforme o tempo, a cultura, a religião e as crenças. Da mesma forma, fatores como gênero, grau de parentesco, tipo de morte, vínculos e recursos internos podem ou não proporcionar a elaboração normal do luto (BASSO e WAINER, 2011). Tal fase pode ser considerada normal quando ocorre uma resposta saudável diante da perda, ou seja, quando a pessoa demonstra capacidade de expressar a sua dor. Entretanto, quando essa capacidade não está desenvolvida, pode ocorrer o luto complicado, caracterizado pela negação da dor pela perda e sentimentos de solidão, fragilidade e depressão (PARKES, 1998 apud BASSO e WAINER, 2011).

     Em seu livro “Sobre a morte e o morrer” (1996), Elisabeth Kübler-Ross descreve sua experiência com pacientes em fase terminal. Tal experiência deu origem aos cinco estágios do luto, descritos a seguir:

Negação e isolamento: Conforme descrito pela autora, este estágio é uma defesa temporária que “funciona como um pára-choque depois de notícias inesperadas e chocantes”. (KÜBLER-ROSS, 1996, p. 52). Assim, a pessoa busca justificar de todo modo que houve algum equívoco e que a notícia recebida não é real.
Raiva: É neste estágio que, geralmente, são manifestos questionamentos e expressos diversos sentimentos hostis, pois “quando não é mais possível manter firme o primeiro estágio de negação, ele é substituído por sentimentos de raiva, de revolta, de inveja e de ressentimento” (KÜBLER-ROSS, 1996, p. 63).
Barganha: Este estágio é caracterizado por uma procrastinação do sofrimento, mais precisamente, “é uma tentativa, de negociar ou adiar os temores diante da situação; as pessoas buscam firmar acordos com figuras que segundo suas crenças teriam poder de intervenção sobre a situação de perda” (KÜBLER-ROSS, 2005 apud BASSO e WAINER, 2011, p. 38).
Depressão: considerada o quarto estágio, pode ser classificada como preparatória, quando se aproxima a aceitação e as pessoas se retiram e refletem sobre o momento por qual passam, ou reativa, quando ocorrem outras perdas em consequência à perda da morte como, por exemplo, prejuízos financeiros e papéis familiares (KÜBLER-ROSS, 2005 apud BASSO e WAINER, 2011).
Aceitação: o último dos estágios possibilita que a pessoa “passe a encarar sua nova realidade e a dar significado a ela, na medida em que novas relações podem ser estabelecidas e que se possa aprender a viver sem a pessoa que se foi” (NETTO, 2015, p. 5). É também nesta fase que aflições, dificuldades e diversos sentimentos são expressos de modo mais claro para que se possa enfim, empreender uma maior compreensão e enfrentamento da situação. 

    É importante salientar que não necessariamente todas as pessoas passarão por estes estágios, na ordem apresentada e com todas as características evidenciadas. Conforme Basso e Wainer (2011, p. 38) “cabe ressaltar que, esses estágios não são um roteiro a ser seguido e que podem sofrer alterações de acordo com cada perspectiva pessoal”.                                

     Outros autores também estudaram o luto, dando origens a diversas obras: Freud apresenta sua percepção acerca do assunto em “Luto e Melancolia”, John Bowlby, por sua vez, dissertou seu entendimento sobre o tema de acordo com a “Teoria do Apego” e no livro “Formação e Rompimento dos Laços Afetivos” e Colin Murray Parkes discorre a respeito do assunto em “Estudos sobre a perda na vida adulta” (ALMEIDA, 2015).

     Conforme exposto, lidar com a morte é uma tarefa difícil, cercada de dúvidas, medos e receios, tornando-se mais complexa ao envolver outras questões, como crenças, religião e cultura. Neste sentido, os estágios descritos podem ser considerados uma maneira mais didática de compreender a vivência do enlutado, ainda que tenhamos de nos atentar às características e percepções individuais envolvidas.     
                                                 
    O psicólogo pode ajudar as pessoas que passam pelo processo de elaboração do luto a partir de uma avaliação da atual condição destas, traçando um plano terapêutico adequado à situação e proporcionando o devido suporte para que cheguem a um estado de adaptação à nova condição e reorganização da própria vida.
                                                                                  
Referências:

ALMEIDA, Tatiene Ciribelli Santos. Espiritualidade e resiliência: enfrentamento em situações de luto. Sacrilegens, v. 12, n.1, p. 72-91, 2015.

BASSO, Lissia Ana; WAINER, Ricardo. Luto e perdas repentinas: Contribuições da Terapia Cognitivo-Comportamental. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, v. 7, n.1, p. 35-43, 2011.

KÜBLER-ROSS, Elisabeth. Sobre a morte e o morrer: o que os doentes terminais têm para ensinar a médicos, enfermeiras, religiosos e aos seus próprios parentes. Tradução: Paulo Menezes. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

NETTO, José Valdecí Grigoleto. As fases do luto de acordo com Elisabeth Kübler-Ross. IX EPCC – Encontro Internacional de Produção Científica UniCesumar, v.1, n.9, p. 4-8, 2015.

OLIVEIRA, João Batista Alves de; LOPES, Ruth Gelehrter da Costa. O processo de luto no idoso pela morte de cônjuge e filho. Psicologia em Estudo, v. 13, n. 2, p. 217-221, 2008. 

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